sábado, 27 de fevereiro de 2010

Duas garrafas de vinho

Em Roma, dois colegas de trabalho, apesar da pouca intimidade, combinaram de jantar juntos ao final de dois dias de uma reunião importante.

A reunião tinha sido pesada, além da longa viagem os horários eram super controlados, as discussões intensas, e uma constante sensação de estarem sendo analisados detalhadamente a cada respiração.

Depois de quase 24 horas de trabalho com o grupo que estava no comando da multinacional, pela primeira vez os dois tinham sentido mais de perto sua cultura e jeito de ser. Conhecê-los de perto, e tão intensamente num espaço tão curto de tempo, fez com que cada um aumentasse a visão da empresa e de seu lugar nela.

O mais jovem viu muitas oportunidades para crescer, ficou cheio de orgulho em ser tratado como um talento e aumentou ainda mais sua admiração por aqueles distintos senhores de ternos escuros e sapatos envernizados.

O mais velho achou tudo muito sem sal, sombrio demais e ficou em dúvida se seria parte da mudança ou parte dos a “serem mudados”. Achava que poderia ajudar aquele grupo a se desenvolver porque afinal gostava do seu trabalho e da sua equipe, mas não estava certo se teria esse espaço ou vontade para escalar essa montanha.

Saboreando uma boa pasta e um Pian delle Vigne Brunello di Montalcino 2003 os dois conversaram sobre amenidades e trabalho, como manda a etiqueta corporativa, mas não puderam deixar de sentir a magia desse líquido rubi que jorrava da boca dessa garrafa negra e golpeava o cristal translúcido. Notas de frutas vermelhas, café e tabaco saíam do seu buquê, e na boca os taninos se mostravam elegantes e complexos, deixando um gosto de quero mais a cada gole.

Apesar do êxtase por aquela obra-prima, a conversa não mudou de rumo, e ambos trataram de memorizar o rótulo, discretamente claro, já que não ficaria bem se mostrar totalmente absorto por aquele vinho. Era melhor agir com naturalidade, como se este fosse apenas mais um dos vários encontros com aquela garrafa.

No dia seguinte, antes de ir ao aeroporto, a primeira coisa que cada um fez foi sair a busca daquela lâmpada negra de um gênio chamado Antinori. Sem se encontrar, os dois foram à mesma loja, foram atendidos pelo mesmo vendedor e  compraram cada um uma única garrafa, porque cem euros estava fora do que seus bolsos estavam acostumados a pagar por um bom vinho.

De volta à sua cidade, na manhã seguinte, o mais novo, ia direto do aeroporto ao escritório e somente depois do expediente desfazia as malas e colocava a garrafa negra na adega dizendo a esposa: 

“Esse é um vinho especial que trouxe da viagem, vou guardá-lo para comemorarmos uma data especial.”

O mais velho, também chegava da viagem mas do aeroporto ia para casa, matar as saudades da esposa e dos filhos, e tirando a garrafa negra da mala dizia:

“Vamos gelar essa preciosidade, temos que comemorar a vida que estamos vivendo!”


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